sábado, 25 de julho de 2009

Encarando o improviso




Razão X emoção
Apesar de ser uma pessoa extremamente sensível e emocional, na dança, eu sempre fui muito técnica. Queria morrer de rir quando minhas professoras diziam: 'Vai improvisa! Dança, se solta, faz alguma coisa!' Como assim 'faz alguma coisa?' Eu sempre acabava fazendo, por que minha educação mandava acatar as ordens (graças aos deuses essa fase já passou), mas eu queria sumir da sala e me enterrar num buraquinho de tanta vergonha. Depois de alguns anos estudando de tudo, fui descobrir que na verdade não existe o 'improviso por improviso', o improviso na verdade tem técnica e precisa de estudo para ser realizado com qualidade.


Não é só pegar uma música e sair dançando qualquer coisa, em todas as técnicas de palco existem improvisações, mas nada é simplesmente criado na hora. Quem puder, vá assistir 'Jogando no Quintal', é um espetáculo de improvisação de palhaços, muito bom. Você percebe que nada é pré-estipulado, porém os atores são muito bem treinados, estudaram demais. Pra quem quer saber mais sobre improvisação esse show é obrigatório. Existem também workshops de técnicas de improvisação de teatro à disposição no mercado, importantíssimos para nós bailarinas que queremos aprender cada dia mais.


Na Dança do Ventre, existe essa cultura do improviso 'dança aí'. Para alunas como eu isso é mais uma forma de reprimir do que de liberar. Dentro de uma sala de aula com várias personalidades distintas, nem sempre é uma fórmula de sucesso. Nenhum artista que se preze, se apresenta completamente despreparado. É necessário, até por respeito ao público, uma prévia estruturação do que será feito. Afinal, ninguém merece sair de casa e assistir a um show mais ou menos!


Mas e aí, como aprender corretamente a improvisar?
A chave para o sucesso do improviso é estudar música. Esse é o segredo. A música dá todas as dicas do que deve ser feito, basta você compreendê-la. Nosso estudo de musicalidade na Dança do Ventre brasileira ainda é muito muito ruim. Muito pobre. Poucas profissionais abordam esse tema em sala de aula com profundidade e conhecimento. Mais uma vez, mostro como é importante escolher bem seus professores. O improviso não é uma coisa que se ensina em workshops, é algo que a professora deve ensinar dentro da sala de aula gradativamente. Abaixo vão cinco dicas simples, mas que considero precisosas.
Soraia Zaied - Pra mim, a rainha do improviso.


1. Estude os ritmos.
Conhecendo música, você aprende a identificar os ritmos e seus compassos. Cada um pede um tipo de movimentação e ocupação espacial, por isso, com o ouvido treinado você identifica rapidamente os ritmos já sabe como dançar. Eis o começo. Para saber mais sobre ritmos, nos posts de 2006 tenho vários textos sobre musicalidade, estão resumidos mas já ajudam um pouco. Exemplo: Os ritmos rápidos, em sua maioria, pedem deslocamentos e poucos movimentos isolados, os médios pedem uma dança mais centrada com mais movimentos e uma utilização espacial mais limitada. Os ritmos lentos pedem pouca movimentação e mais movimentos isolados e performáticos. Foi um meeega resumo, mas a lógica é por aí.


2. Leia os instrumentos.
Assim como os ritmos são nosso norte no aproveitamente espacial e no tipo de passos utilizados, os instrumentos nos dizem como vamos 'rechear' essa movimentação. Exemplo: Usamos tremidos diferentes para o kanoun, para o alaúde ou para a aceleração do acordeom. A flauta pede uma ondulação mais leve do que o violino e este por sua vez, pede uma ondulação menos intensa que o teclado. Identificando os instrumentos você já sabe o que vai colocar por cima dos ritmos. Os dois trabalham juntos, em harmonia.


3. Fique íntima das melodias.
A melodia é a alma da música. A mensagem do compositor e a carga emocional são traduzidas pela leitura melódica que fazemos. Para ler bem as melodias precisamos acostumar os ouvidos com a música árabe. Não só ouví-la no carro ou em festas, mas parar para escutá-la e sentir o que ela quer transmitir. Parece papo de gente doida, mas esses momentos a sós com a música são imprescindíveis. Assim você cria mais intimidade com a música árabe e fica mais fácil de prever sua oscilações, breaks ou mudanças. Exemplo: Nós sabemos com antecedência quando uma música brasileira vai oscilar, subir ou descer as notas. Está na nossa raíz cultural, ouvimos desde pequenos. Temos que nos esforçar para criar essa mesma sintonia com as músicas árabes. Esse é um dos motivos pelos quais invejamos a leitura musical das egípcias, assim como elas invejam nossa intimidade com o samba.


4. Repertório de passos.
Para cada ritmo e para cada instrumento, com treino, você cria seu repertório - conjunto de passos que você guarda na manga para certos momentos. Nesse ponto damos muito valor ás sequências e coreografias que aprendemos, que mesmo sistematizadas, desenvolvem nosso raciocínio e nossa inteligência corporal (além de lateralidade, auto-percepção, agilidade mental e física, etc). As sequências são SEMPRE aproveitáveis. Se sua professora passou uma sequência em sala de aula, em um ritmo binário, tenha certeza que ela vai servir pro próximo improviso em binários que você precisar fazer. Claro que ela sofrerá alguns ajustes, mas garanto que vai encaixar direitinho. Sabe aquela sensação que nos dá no meio do improviso, e pensamos: O que colocar agora??? É só lembrar das sequências estudadas!! E aquele passo bacana que a professora passou, você pode reservar para o auge da música que você está improvisando.




5. Personalidade e emoção.
Com a prática, o lado racional vai ficando no automático e você começa a se preocupar mais com a emoção e com o que você vai transmitir na sua performance. É a hora de exteriorizar suas emoções. A estrutura está feita, então agora vc pode 'se soltar'! Foi nos momentos de improviso que tive minhas melhores idéias. Aproveite para colocar no seu improviso aqueles passos e movimentos que são só seus. Nessa última fase do estudo, dê a sua carinha para os shows. Deixe o público extasiado, com uma sensação única. É importante que ele sinta algo que nenhuma outra bailarina vai conseguir causar. Isso quer dizer que você está deixando a sua marca e não é apenas mais uma bailarina.


A importância da técnica
Infelizmente, ao contrário do que a maioria gostaria, a técnica é fundamental no início de qualquer aprendizado. Essa história de 'aula ôba ôba' não faz ninguém se tornar bailarina. Se você quer aprender a dançar de verdade, tem que deixar as 'aulas terapia' de lado e arregaçar as mangas. Eu nunca disse que seria fácil. Existe uma dinâmica indiscutível para um aprendizado eficiente: Primeiro técnica. Depois emoção. Por que no começo, ou você pensa na técnica ou você pensa na emoção... Fato.


E mais, vamos raciocinar... O termo 'aprender a dançar' não é só aprender a se expressar. Como sabemos, dançar exige raciocínio, pensamento lógico, técnica, estudo, musicalidade, matemática. Se você quer só se soltar, sem nenhuma técnica, vá fazer aulas de Biodança ou modalidades que visam apenas a expressão corporal, sem teorias aplicadas. O encontro consigo mesmo e outros benefícios alternativos da dança, são consequências que a técnica causa quando nos relacionamos de forma profunda com nosso corpo. Por isso reforço a importância de absorver primeiro a técnica e depois a emoção. A técnica é mais difícil, precisa de mais atenção e muita limpeza. Se você começa pela emoção, vai criar uma série de vícios que depois vai demorar o triplo de tempo pra corrigir.


Opções
Pra quem odeia improviso e pra quem odeia coreografia, rs, existem opções para que ambas aprendam novas formas de dançar:
Meio a meio: Coreografe as partes mais difíceis da música. Aquela com contratempos impossíveis e com os devaneios dos músicos. A parte mais fácil (se é que existe uma, rsrs) você estuda muito, escuta muito e improvisa. Assim você garante uma performance com pequena margem de erros.


Coreografia: Pra quem curte se apaixonar pela música e conhecer todos os seus detalhes. Escute até a exaustão, e coreografe cada respiro e cada detalhe dos sons. Dá pra coreografar até a hora que o flautista tira a boca da flauta!! Sério, dá mesmo!!! Ótimo pra quem não quer errar nada. Depois de coreografar a música racionalmente, 100%, você coreografa também as expressões e o sentimento. Garantia de sucesso, pois na hora do show a música já é tão parte de você que o sentimento borbulha pro público.
I


mproviso total: Quer improvisar tudo? Apoiado! Só não esquece de estudar muuuuito a música, como se você fosse coreografá-la. Se relacione com ela, converse, reflita sobre sua construção e coloque em prática as cinco dicas que estudamos acima. Com certeza seu show será incrível!
Se você não quer ser uma bailarina profissional, nem almeja dançar tão bem quanto as amadoras que arraaaasam por aí, descarte esse texto e continue com as aulas terapia. Elas são muito úteis sim, sem ironia, mas têm outro objetivo. Essa exigência toda, é pra quem está se desafiando!!!
Beijos!!!
Publicado origionalmente em
www.dancadoventre.art.br

Um comentário:

  1. Boa noite, Gisele:
    estou fazendo um site de dança para uma amiga e peço autorização para rodar seus vídeos e mostrar fotos. Sou de Belo Horizonte e, assim que estiver no ar, te mando o endereço, tudo bem ? henrique47@gmail.com
    Abraço !
    Henrique

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